Machado de Assis perguntava, numa reminiscência assim: - Mudaria o Natal, ou mudei eu? Do mesmo modo poderei constatar que mudamos ambos: eu e a cidade. Admira-me os que afirmam: - Não mudo: sempre fui assim e assim continuarei. Lembra-me o poeta quando diz que o tal cidadão só passou pela vida, não viveu. Se o mundo muda, a vida muda, tudo se modifica ao meu redor, como posso fossivilizar-me? Assim procurarei, conforme permitir-me engenho e arte, traduzir as mudanças havidas na cidade e em mim próprio que, como costumo dizer, sou nascido, crescido e envelhecido nesta linda cidade que tanto amo e respeito.

Às vésperas de completar seu quarto centenário São Luís sofreu, como era de esperar, muitas transformações. Algumas para melhor; outras nem tanto.
Da cidade que conheci menino, pouco resta de sua primitiva inocente natureza. Reminiscências de uma Ilha aprazível, de clima tropical, porém ameno, longe do calor escaldante que hoje nos consome, fruto do desmatamento desenfreado e da irracional ocupação imobiliária, que destrói manguezais e babaçuais e transforma em asfalto tudo aquilo que um dia foi natureza exuberante. Diz a sabedoria popular que para tudo na vida há um preço e em nossa cidade temos sido cobrados diariamente a pagar o preço do chamado “progresso”. Uma pergunta, porém, não quer calar? Progresso para quem? E para quê? Temos, de fato, evoluído em nossa cidade? Ou, em alguns aspectos, o que se sobrepõe é a perda de valores tão fundamentais à vida e à saúde de todos nós habitantes? Não recebam, por favor, estas reflexões como saudosismo de um velho citadino. Não! Reconheço que em muitos aspectos evoluímos. Mas não me fujo a registrar a preocupação com a perda de qualidade de vida, o que, aliás, é, no meu conceito, fator de grande relevância. Mas, entre perdas e ganhos vamos seguindo as mudanças, pois, afinal, tudo que pára se atrofia, estiola e morre.


Com respeito à Instrução fizemos progressos, não há dúvida, mas nos que parecer que, se por um lado “especializamos” demais, por outro é excessiva a exigência que fazemos aos alunos. Que currículos! Um excesso de conteúdos nas costas de quem começa a aprender. De um modo geral é muito conteúdo para todos, mesmo para os mais velhos. A questão não é de quantidade, mas de qualidade dos ensinamentos a meter nas cabecinhas ainda em formação.
Muitos que me ouvem vão descrer do que lhes direi. Antigamente, no tempo do calor, dormia-se com a parte de cima das janelas...aberta! E dando para a rua! A família que tinha muitos rapazes notívagos deixava a porta-da-rua apenas encostada para que o último a chegar, fechasse. Perguntem aos mais velhos se alguém, àquela época, ao menos se lembrava de por uma arma no cós da calça, para ir divertir-se nos bailes de Carnaval, por exemplo. Havia brigas e desentendimentos? Havia. Eram, porém, cousas passageiras, decorrente de excessos, logo resolvidas amigavelmente, os brigões, ao fim, confraternizados na mesma mesa de bar. As maiores divergências eram as políticas que chegavam a inimizar as famílias por longos anos, os novos assumindo os rancores dos antigos.
Outras indiossincrasias perturbavam o ambiente. Os negros sofriam indignas discriminações, mas longe iam os tempos em que até a religião estipulava os limites: brancos, na Sé; pardos, na Conceição; pretos na Igreja do Rosário. A procissão de São Benedito atraia multidão e creio mesmo que, exemplo único no mundo, meu pai, protestante, comparecia...para acompanhar minha mãe.
Agora... falemos do sexo. Havia dois modos diversos de encarar o problema: o considerado normal merecia um respeito hipócrita, tinha um tratamento discreto, circunscrito quase ao espaço íntimo entre quatro paredes. Era tabu falar nele? Era. Digo porém que, com a reviravolta que sofreu o mundo, continua tabu: só que, hoje, com o sinal trocado: agora é tabu não se falar nele. E mais, não se praticá-lo às escâncaras, quando, segundo o primitivo entendimento, só deveria interessar a dois. Os homossexuais eram impiedosamente discriminados, muitos execrados e perseguidos em praça pública, sujeito a vaiadas e pedradas. Hoje se respeitam as opções de cada um. Ótimo! Quando eu e minha mulher, cúmplices e solidários que fomos de tantos amigos, e de seu sofrimento frente ao preconceito de uma sociedade hipócrita, imaginaríamos assistir à primeira parada do orgulho gay?!

Com respeito aos transportes, na cidade havia poucos automóveis, os chamados “carros-de-praça”: os primeiros, de Dadeco, Astrolábio e Pindobuçu, requisitados para os casamentos grã-finos. E os bondes: Gonçalves Dias, Estrada de Ferro, Jordoa, Anil. Para Ribamar, que então era looonge, os lotações. E o Maria-Fumaça ligando S. Luís a Teresina, “soltando brasa e comendo lenha, tanto queima como atrasa”, como o imortalizou João do Vale. Lembro-se bem da minha viagem para assumir o lugar de escriturário do Banco do Brasil em Codó, nos idos de 1948, faz 60 anos! Tinha-se a roupa especifica para a viagem de trem, toda marcada pelos furos que as brasas da chaminé distribuía pelo ar. Cochilava-se na modorrenta viagem e acordava-se de repente ferido pelas queimaduras. Mas Codó tem um capítulo à parte. E que não é aqui o momento de abordar.
Poderia passar horas a fio falando desta cidade que nos viu nascer, eu, minha mulher e meus filhos; e meus netos; que nos viu crescer e envelhecer. Aqui criamos nós o encantamento de nossa juventude e tranqüilidade serena de nossa velhice: nosso berço e nosso túmulo.
Para finalizar gostaria de louvar a iniciativa da criação do Observatório Social de São Luís. Iniciativa apartidária, que conclamando todos, e cada um; moradores desta bela cidade, a nos mobilizar para melhorá-la em seus diversos aspectos.
Carlos Lima ,pesquisador da cultura e história maranhense e membro da Academia Maranhense de Letras.
Arislene
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